quarta-feira, 28 de maio de 2008

Maria Fumaça


Quanto mais desagradável soa a verdade, mais tempo o homem demora a assimilar e se acostumar a ela.

Aos poucos, o mundo vai tomando consciência de que a era do petróleo farto e barato ficou para trás.

Falta, no entanto,muito chão entre a conscientização e a mudança de hábitos.

O mundo se tornou viciado ao estilo de vida enquanto reinava a abundância e tenderá a mantê-lo a custo inimaginável, tanto economicamente quanto socialmente.

Na quinta feira passada a International Energy Agency, IEA, um órgão de monitoramento dos recursos energéticos mundiais com sede em Paris, veio a público declarar que, ao contrário do que se previa antes, poderá haver um descompasso entre a oferta e a demanda do óleo em 10%, no curso das próximas duas décadas, como noticiado no Wall Street Journal.

A declaração baseia-se em um estudo em que a IEA promete divulgar os resultados em novembro próximo.

Espera-se alguma coisa surpreendentemente bombástica, como uma nova aferição das reservas petrolíferas mundiais e o estado de esgotamento dos campos de petróleo convencional, principalmente, talvez, evidência de que Oriente Médio não ter em quantidade condizente com o que se pensava.

Isto não é uma novidade para os chamados “peakists”, seres que crêem que a produção mundial atingiu seu pico ou em breve atingirá.

Hoje, até pelas projeções mais otimistas, está presente no cenário macroeconômico, em futuro próximo, custos de energia e alimentação bem mais elevados, em que o equilíbrio só seria alcançado após grotesca dança dos preços relativos, num trabalho menos afeto a economistas do que a videntes.

Mas há os que ousam.


Um desses, o Phd Robert F. Wescott, lançou em 2006, o que poderia representar para a economia mundial o óleo a 120 dólares o barril por um ano inteiro:

1-Efeitos Sobre a Demanda.
Preços mais altos do petróleo reduzem a capacidade de consumo do cidadão e provocam contração da demanda de todas as outras categorias de produtos. Maior gasto para encher o tanque significa menos dinheiro disponível para entradas de cinema, móveis, ou outros itens.

2- Efeitos Sobre a Oferta
Preços crescentes de óleo deprimem a margem de lucro das empresas na medida em que elas não possam repassar esses custos adicionais para os consumidores. Isto é particularmente válido para as “energívoras”, causando a redução de serviços ou corte nos níveis de produção. Por exemplo, uma empresa aérea que experimenta um aumento de 100% no custo da energia sofrerá aperto de caixa causando cancelamento de vôos, redução de pessoal e desistência em novas aquisições de aeronaves.

3-Efeitos Sobre a Política
Apesar dos bancos centrais darem mais atenção à “inflação central” ( que exclui energia e alimentos), preços mais altos do combustível darão lugar a temores sobre a alimentação de uma espiral inflacionária exigindo ação da autoridade monetária em restringir condições de crédito. Isto, ao seu turno, provocará a redução do investimento, construção imobiliária e vendas de produtos duráveis, como os automóveis.

4- Efeitos na Confiança e Psicologia do Mercado
Preços mais altos do óleo afetarão a confiança tanto do investidor quanto do consumidor, enfraquecendo a economia como um todo.

Observamos que, de uma forma geral, vem ocorrendo o que se previa. Como exemplo:

da Efe, em Nova York

A AMR, empresa que controla a American Airlines, anunciou nesta terça-feira (27) o cancelamento de algumas rotas, dentro de um plano para reduzir custos e resistir à forte alta do preço dos combustíveis e à desaceleração da economia.

Ou


da Efe, em Washington

A escalada do preço do petróleo pode levar os países a uma recessão, disse Noureddine Krichene, analista do FMI (Fundo Monetário Internacional), que pediu para que não sejam subestimados os efeitos inflacionários da energia na definição da política monetária.

Mas também, em sentido contrário, podemos ler coisas do tipo:

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, indicou nesta terça-feira, que a instituição ainda estuda novas ações para "facilitar o acesso da população ao crédito" ...
Hoje, o BC revelou que o volume de crédito atingiu o valor recorde de R$ 1,02 trilhão no mês de abril, o que representa 36,1% do PIB.

Mas não cabe aqui iluminar o que ainda está aceso em vivo debate, aprofundando as fissuras em nossa política econômica.

Afora isto, a verdade é que o Brasil vive seu melhor momento.

Enquanto os norte americanos se debatem amargando o preço da gasolina nas vizinhanças de US$ 4 o galão, nós, brasileiros , há muito, achamos normal US$ 6 o galão.

Mesmo que introduzíssemos um fator de correção cambial (o dólar parece estar subvalorizado, segundo a opinião corrente dos economistas antenados), praticamos já ha algum tempo algum valor perto de US$ 4,5 o galão para uma gasolina horrivelmente sulfurosa.

E ainda assistimos a uma demanda crescente deste combustível, incentivada pela facilidade de crédito, a indústria automobilística vem despejando, a taxas recordes, veículos de eficiência discutível, comprometendo o ar e o transito das grandes cidades.

Este é o primeiro grande erro de nossa política econômica.

Por outro lado, vamos aprofundando nossa dependência no diesel. Este chega neste mês a US$ 4,4 o galão nos EUA, aproximadamente o mesmo preço praticado em terra brasilis. Mas jogamos diesel fora em nossas estradas esburacadas, sucateamento , carência de incentivos e investimentos na manutenção e expansão de nossa malha ferroviária.

O diesel também abastece as nossas usinas térmicas, mesmo as que predominantemente queimem outros combustíveis, como o carvão. O programa bio-diesel avança por sobre a agricultura de grãos, inclusive a familiar, provocando escassez de alimentos, além da inflação.

Está claro que o país não tem sustentabilidade em seu sistema de transporte. Em um cenário de altos preços de diesel por algum tempo, estes, rapidamente, seriam repassados aos preços dos produtos alimentando a espiral inflacionária.

Este parece ser o principal ponto de vacilo político.

Diesel é nosso ponto frágil.

Embora, pelas declarações prestadas, o governo parece ciente de nossas deficiências no setor de transportes:

Para se transformar em um grande exportador mundial, "o que ocorrerá nos próximos anos", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu, nesta terça-feira (27/05), durante viagem a Minas Gerais, que o país precisa de "ter meios de transporte ágeis e baratos", o que ainda falta no Brasil.
"Noventa e cinco por cento do transporte brasileiro que vai para o exterior, vai de navio. Portanto, temos que fazer as nossas ferrovias chegarem até os principais portos brasileiros, e construir os portos que ainda precisamos construir", disse Lula, que participou da cerimônia de entrega da primeira locomotiva de grande porte produzida no Brasil.

O país toma medidas surpreendentes em sua política monetária inibindo investimentos na infra-estrutura de transportes

Mas não erramos em tudo. A política nuclear brasileira, embora lenta, é boa. A passo de lesma vamos construindo um submarino nuclear.

Sim, mas faz mais de 20 anos. Não por esta máquina estúpida, imprestável em tempos de paz, mas pelo domínio da tecnologia nuclear em transportes marítimos. Um ótimo substituto ao diesel. Para um país de grande costa e grandes cidades litorâneas parece perfeito.

ambém acerta ao sinalizar a vontade de construir mais usinas nucleares. Trata-se da antecipação do futuro, que hoje já vive a Indonésia:

No início do mês (maio), o presidente Susilo Bambang Yudhoyono anunciou que seu país estudava a possibilidade de deixar a OPEP por não ser mais um "exportador líquido da commodity"....

.. . "Nossos poços estão secando"...

Além disso, nos últimos anos se transformou em importador de petróleo, para satisfazer à crescente demanda energética do maior arquipélago do mundo e do quarto país mais povoado do planeta, com quase 240 milhões de habitantes.

A Indonésia, que foi um dos membros mais ativos da organização, admitiu no ano passado que suas reservas de petróleo se esgotarão em 2020.

Em virtude disso, o governo decidiu relançar seu programa de energia nuclear, que tinha paralisado desde a crise financeira asiática de 1997-1998.

E protestos contra a alta do petróleo se multiplicam pelo mundo. Em países importadores que subsidiam seus preços, como China, Índia e Taiwan terão que em algum momento rever sua política.
Acabou o que era doce, voltaremos à era da maria fumaça.

terça-feira, 20 de maio de 2008

O TREM



Palavras descarrilham um trem?
Por certo e por si só, palavras não descarrilham um trem
Mas a palavra pode levar à ação e a ação descarrilhar o trem
Em certo sentido, portanto, palavras descarrilham um trem.
Mas ao trem descarrilhado, para colocá-lo novamente na linha
Palavras, somente, não bastam.

Sabedoria são crenças.
O homem sem crenças está ao sabor das correntes.
O navegador arguto sabe que as correntes andam em círculos
Portanto, as usa somente quando lhe são convenientes.
Os acontecimentos são as correntes.
As correntes, os trilhos
E o amor, o trem.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

A BOLHA


Em todos os lugares (normais) do mundo, uma alta da taxa básica de juros provocaria uma baixa generalizada das ações em bolsas de valores, e vice versa.

Quem acompanhou o Dow Jones nesta seqüência de cortes efetuados pelo FED pôde constatar isto.

Tal movimento está em linha com os fundamentos econômicos, onde altos juros inibem o investimento no setor produtivo.

No Brasil aconteceu o contrário. Não porque nosso parque industrial local não tenha se ressentido, mas porque dois outros movimentos estão compensando, com folga, a deterioração das finanças de nossas industrias.

O primeiro é o fluxo de capital estrangeiro que entra pela bolsa de valores.
O Brasil com a estabilização da moeda, com o crescimento do mercado de consumo interno e seus achados de petróleo, vem atraindo o interesse estrangeiro.
Com a desvalorização do dólar perante às outras moedas fortes este movimento é reforçado e ainda recebe um turbinamento extra quando os juros são aumentados.
Pelos fundamentos, quando a oferta é demasiada o preço cai. Assim foi o que aconteceu com o dólar, a sua queda vem dando origem ao segundo movimento.
È que as multinacionais tiveram seus lucros espetacularmente elevados com as variações cambiais. De repente o mesmo lucro em reais se transformaram em muito mais dólares, valorizando suas ações em seus países de origem e tal valorização propagada para cá.
Essa valorização, porém, é fictícia porque não tem a contrapartida produtiva.
É, como chamam, uma bolha.
A bolha é um fenômeno dinâmico, a manifestação de um desequilíbrio, significando que em algum ponto, em algum momento, se romperá.

No caso, não vejo mais que dois pontos de ruptura, ou o mundo trabalha mais por menos ou os EUA desvalorizam sua moeda, ou seja, eles é que trabalhariam mais, por menos.