terça-feira, 1 de abril de 2008

TAXA DE INTERESSES



Leio o jornal:

Em recente reunião com a área econômica, o presidente Lula perguntou quais as soluções para evitar pressão nos preços neste ano e, sobretudo, na virada para 2009, fora a elevação dos juros. Além de medidas para desacelerar a concessão de financiamentos, foi proposta a adoção de incentivos à exportação.”

Eu não sei quem eram os presentes na dita reunião. Se o Meirelles estava lá ou não, por exemplo, mas não creio que tenha participado alguém seriamente envolvido nos mistérios das Ciências Econômicas ou mesmo alguém provido de certo raciocínio lógico.

Para começar, o que eles chamaram de “desacelerar a concessão de financiamentos” seria a limitação dos prazos máximos para financiamentos, hoje, no caso de financiamentos de veículos, podem chegar a sete anos, mas continuo lendo:

O setor que mais preocupa é o automotivo. O ministro Miguel Jorge (Indústria e Comércio) deverá anunciar no início do próximo mês (abril) uma política de incentivo às vendas externas e a idéia é que contemple as exportações de veículos, para "compensar" a restrição ao crédito no setor. Um dos pontos mais questionados é o financiamento muito longo, chegando a sete anos. A idéia é reduzir para até três anos.”

Isto de limitar os prazos de financiamentos deve ter provocado um certo tipo de comoção no meio financeiro. Por isso hoje pipocam na imprensa toda a série de desmentidos:

Ontem, o ministro Guido Mantega (Fazenda) negou que o governo tenha a intenção de adotar medidas para conter a expansão do crédito no país, como a limitação do prazo de pagamento.”

Por que será que houve um retrocesso tão rápido? Resposta a seguir:

Os maiores bancos brasileiros trataram hoje de tranqüilizar o ministro Guido Mantega (Fazenda) sobre a qualidade das operações de crédito no país. Segundo Fábio Barbosa, presidente do ABN Amro Real e da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), não há necessidade de ajustes nas medidas em vigor hoje.”

Como posso imaginar, visto pelo lado dos banqueiros, o Guido Mantega surtou, e logo eles trataram de sedá-lo com doses cavalares de tranqüilizantes.

Mas dentro dos fundamentos da macroeconomia, o surto do Mantega “makes sense”.
Se se quer inibir a demanda nada melhor do que dificultar o crédito, assim, o cidadão impossibilitado de arcar com a elevação das parcelas e do eventual valor da entrada estaria mais propenso a poupar se quisesse realmente adquirir algum bem.

Mas continuando a investigar, se pode descobrir com relativa facilidade a razão de uma reação tão truculenta dos banqueiros à idéia de restrição do crédito.

Em outra reportagem de Sheila D’Amorim da Folha de São Paulo em Brasília, é esboçado o atual perfil do consumidor brasileiro, e como os agentes financeiros estão fazendo para driblar a exorbitância de nossas taxas de juros e o papel do Banco Central, se de médico, se de louco ou de simples transeunte:

“...Quem não está muito confortável com tamanha movimentação (expansão do consumo) é o Banco Central. No papel de segurança da festa, ficou com a responsabilidade de garantir a normalidade e de enquadrar os excessos.”

"No entanto, esses convidados --gente como a empregada doméstica Altiva Fernandes de Souza, 39, o vigia Orliam Oliveira, 38, e a diarista Gorete dos Santos, 43-- pouco respondem ao seu comando.
Empolgados com a possibilidade de entrar numa loja e levar para casa bens há muito tempo desejados e a que eles dificilmente teriam acesso sem "a facilidade do pagamento parcelado", eles não sabem o que é a taxa Selic (referência de juros para economia) e não se preocupam se ela caiu, subiu ou se irá permanecer em 11,25% anuais ao longo de 2008 por causa "da confusão nos Estados Unidos."

“Também não sabem que os alertas conservadores da ata do Copom (Comitê de Política Monetária do BC) fizeram os juros futuros (projetados para março do ano que vem) subirem 0,5 ponto percentual. Como, na prática, são essas taxas que impactam o custo dos empréstimos concedidos pelos bancos, pelas financeiras e pelo varejo no curto prazo, essa foi uma das formas escolhidas pelo Banco Central para atingir o público das compras a crédito
.”

Necessário que se abra um parênteses aqui. A simples menção em reajustar a taxa básica já provocou uma alta nas taxas dos contratos de juros futuros como bem documentado neste outro excerto de reportagem de 13/03/2008:

Os contratos de juros futuros apresentam forte valorização na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM & F). O movimento de alta foi impulsionado pela ata do Comitê de Política Monetária (Copom), que indicou que o colegiado já cogitou a possibilidade de elevar a taxa Selic na reunião da semana passada. Além disso, a forte deterioração do cenário externo contribui para o aumento nos prêmios de risco.”

O que qualquer pesquisa pode revelar e eu de fato duvido que o Bacen não saiba disto, é que o pobre povo brasileiro não se importa em ser saqueado. Isto acontece porque nunca antes teriam experimentado uma economia estável com taxas de juros normais. A continuação da reportagem confirma a tese:

A matemática desses consumidores é bem simples. "Na verdade, a gente olha o valor do bem no Ponto Frio, nas Casas Bahia e em outras lojas e faz a comparação para ver quem oferece mais vantagem, a melhor prestação", diz Altiva Fernandes de Souza. "Não compro em qualquer lugar. Olho a qualidade, o preço à vista e quanto fica a parcela no cartão. Faço, no máximo, em dez vezes", diz Gorete dos Santos.
Para essa população, juros são calculados em reais, equivalem à diferença entre o total das parcelas que serão pagas e o preço à vista da mercadoria e são toleráveis desde que, no final das contas, o valor desembolsado não ultrapasse o dobro do preço à vista. A regra, no entanto, é flexível e pode não ser aplicada a bens mais caros como geladeiras ou aquele sofá dos sonhos.
De acordo com dados obtidos em instituições de crédito para baixa renda, mais de 70% dessas pessoas concordam com Altiva e Gorete. O que conta na hora de fazer o crediário é o valor e a quantidade de parcelas. Menos de 10% dizem se incomodar com o percentual de taxa de juros
.”

Qualquer um que saiba contar de um a dez sabe que se colocam 10 jogadores em campo com somente um único sabendo que, para ganhar é necessário chutar para o gol, também sabe que não vai haver jogo.

Assim o Banco Central sabe que o aumento da Selic não vai conter a demanda em nenhuma hipótese, e pior, pode ter o efeito inverso.

Isto porque a classe mais esclarecida ao analisar a tendência, poderá concluir que é melhor comprar agora, antes que a coisa fique mais difícil.


Um boom no consumo representará o chamusco de pólvora na cara destes economistas de araque.

Enquanto isso, o crédito, tal qual erva daninha, vem se expandindo e conquistando mais espaço, como se depreende na continuação da reportagem:

Como é um mercado novo, em que os próprios bancos estão aprendendo a trabalhar, é difícil obter estatísticas exatas. Quem as tem guarda a sete chaves porque elas são consideradas informações estratégicas num mercado intensamente disputado.
"Há um grande mercado a explorar. As classes de maior renda já estão bem assistidas. É preciso desenvolver produtos de crédito para baixa renda", afirma Gilberto Salomão, diretor-geral do Lemon Bank, instituição lançada em 2002 voltada para pessoas com menor renda familiar.”

Por outro lado, já é visível a deterioração do comércio exterior como estampam as manchetes atuais, em que a alta taxa de juros só faz agravar pela valorização da moeda nacional:

“A balança comercial brasileira apresentou no mês passado um saldo positivo de US$ 1,012 bilhão, uma queda 69,4% em relação ao registrado em março de 2007. Mais uma vez, as importações tiveram um crescimento muito acima das exportações, segundo os dados divulgados nesta terça-feira pelo Ministério do Desenvolvimento.”

A taxa de juros, hoje no Brasil, em termos absolutos, é a mais alta do globo. Em termos relativos é ainda maior, surpreendentemente gigantesca, para um país estável. Vem atraindo vultosos investimentos estrangeiros na caça de altos ganhos a baixo risco. O que faz o Bacen mantê-la é um verdadeiro mistério. Não existem estudos precedentes que a avalizem, nenhum empirismo que as suporte e nenhum interesse em conexão com o interesse comum ou da nação.

7 comentários:

Ronaldo disse...

A Folha, estranhamente, "despublicou", no que chamou de atualização, o seguinte:
A redução da taxa Selic nos três primeiros trimestres do ano passado contribuiu pouco para a diminuição do custo do crédito, especialmente das pequenas e das médias indústrias, aponta estudo realizado em parceria entre a Fiesp e o Serasa.
O relaxamento nos juros durante o período --de 13,25% para 11,25%-- foi menos sentido porque o "spread" (diferença entre taxas captadas e repassadas) não acompanhou o mesmo ritmo de queda da Selic. De acordo com a pesquisa "Painel de Competitividade", obtida pela Folha, o "spread" médio de janeiro a setembro foi de 12,9% ao ano.
Se tivesse seguido em linha com a Selic, seria de 8%.
Da mesma forma, o juro médio cobrado de pessoas jurídicas seria de 19,5%, enquanto a taxa real média verificada no período chegou a 24,4%.
Os coordenadores da pesquisa, feita com 10 mil empresas, afirmam que a desoneração do crédito proporcionada pela redução da Selic ficou comprometida porque os bancos não ofereceram sua contrapartida, reduzindo a taxa de "spread".
"No mundo inteiro, o "spread" é proporcional à taxa de juros. Ocorre que o "spread" bancário continua praticamente o mesmo desde 2005", afirma José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Decomtec (Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp).
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A razão de tal amputação, a meu ver, é bastante simples. É que após a leitura da reportagem pairou uma pergunta irrespondível pelos fundamentos econômicos:
"SE A REDUÇÃO, NA PRÁTICA, NÃO FOI EM NADA REDUZIDA POR QUE AUMENTAR, JÁ QUE NO FINAL FICA TUDO NA MESMA?

Ronaldo disse...

08/04/2008 - 10h48
Real forte pode ser "canal de vulnerabilidade" para Brasil, diz FMI
da BBC Brasil
A supervalorização do real pode ser um fator de vulnerabilidade da economia brasileira em caso de um novo pico de volatilidade nos mercados internacionais, na avaliação de um relatório divulgado nesta terça-feira pelo FMI (Fundo Monetário Internacional).
O relatório, chamado "Assessing Risks to Global Financial Stability" (Avaliando os Riscos à Estabilidade Financeira Global), analisa as razões da atual crise financeira internacional e faz uma série de recomendações para evitar o alastramento e agravamento da turbulência.
Em um capítulo do relatório dedicado a avaliar o quão vulnerável à crise estão os países emergentes, como o Brasil, o FMI afirma que a força continuada de moedas como o real brasileiro ou a rupia indiana sugere a persistência de operações conhecidas como "carry trades".
Nessas operações, os investidores tomam empréstimos em moedas de países com baixas taxas de juros, convertem o montante na moeda de outro país com taxas de juros maiores e aplicam os recursos nesse país, ganhando com a diferença.
Isso aumentaria o fluxo de investimentos externos aos países com maiores taxas de juros e pressionaria a cotação da moeda para o alto.
Segundo o relatório, além do Brasil, outros países que vêm recebendo um fluxo grande desse tipo de investimento são Colômbia, Islândia, Indonésia, Nova Zelândia, Turquia e África do Sul, a partir de financiamentos em iene japonês, franco suíço e, mais recentemente, com os cortes de juros nos Estados Unidos, em dólar americano.
Dependência
Apesar da observação quanto à supervalorização da moeda, o FMI considera o Brasil em posição relativamente melhor do que no passado para lidar com a dependência de fluxo de capitais externos.
Segundo o relatório, os países emergentes mais vulneráveis à escassez de crédito internacional são aqueles nos quais o crescimento do crédito interno foi alimentado por fontes externas de financiamento e onde grandes déficits em conta corrente precisam ser financiados, o que não é o caso do Brasil.
O documento do FMI observa que "até agora, os mercados dos países emergentes têm resistido (à crise)".
Porém a organização adverte que "mercados de dívida, particularmente de dívidas externas corporativas, já sentiram o impacto da turbulência nos países desenvolvidos e os custos de financiamento aumentaram".
Na visão do FMI, "novos choques para o apetite dos investidores por ativos de risco nos mercados emergentes não podem ser descartados se as condições financeiras piorarem".

Ronaldo disse...

Folha de São Paulo de 09.04.08
ANTONIO DELFIM NETTO

O Copom é autônomo
NA ÚLTIMA semana, o Brasil assistiu a um espetáculo de intrigas nos meios de comunicação para "afirmar" a autonomia do Banco Central diante do "jurássico" Ministério da Fazenda.
Como? Iniciando já um movimento de elevação da taxa de juros. O "merchandising" financeiro conseguiu quase unanimidade na direção do movimento. Para evitar eventual processo de formação de cartel, os agentes "fixaram" taxas de juros diferenciadas para a Selic em dezembro: de acordo com a "qualidade" da pseudociência, elas variaram de um modesto 12,5% até um fantástico 13,75%!
Tratou-se de um evidente suporte do "mercado" ao ridículo "terrorismo" da última ata do Copom. A coisa tem um ar estranho. Ouvindo a autoridade monetária e lendo as análises do sistema financeiro, alguém que ontem tivesse chegado de Marte concluiria que o Brasil está sob grave ameaça de voltar a uma superinflação, que deve ser "preventivamente" combatida por um "superjuros".
O "Relatório de Inflação", nos seus números (quando não afirma o óbvio, "que o Banco Central vai fazer o que tem que fazer"!), é mais tranqüilizador. No seu cenário básico (crescimento de 4,8%, taxa Selic de 11,25% e taxa de câmbio de R$ 1,70.

E, para o final de 2009, a projeção central é da ordem de 4,4%. O IPCA acumulado de 12 meses, até fevereiro, foi de 4,6%, fortemente influenciado pelo comportamento dos preços da carne, do leite e do feijão, o que tem pouco a ver com "excesso de demanda". De fato, sem esses três produtos, o IPCA de 12 meses é de 3,4%. A preocupação com o aumento dos preços dos serviços é justificada. Eles refletem as conseqüências de um aumento da demanda produzido pela modificação na distribuição de renda, ainda não acompanhada pela oferta. E como se ajustaria a oferta senão por um aumento de preços relativos? O importante é que eles não têm a capacidade para reproduzirem-se como um processo inflacionário. Os salários reais na economia estão crescendo menos do que a produtividade (o que explica o aumento dos lucros), e o mercado de trabalho civilizou-se e encontrou formas de remuneração ligadas aos resultados das empresas.
Não parece portanto razoável iniciar um aumento da Selic que terá graves conseqüências sobre o custo da dívida pública (o mercado já ajustou o juro) apenas para "provar" a autonomia do Copom. Afinal, 4,5% é teto ou é meta?
contato: delfimnetto@uol.com.br

Ronaldo disse...

Não há duvida de que a existência de defasagens na condução da política monetária torna imperioso um comportamento prospectivo do Banco Central do Brasil (BCB) com relação ao comportamento da inflação. No entanto, o argumento em prol da atual necessidade de se realizar uma alta preventiva da Selic não parece válido. Tanto o lado real quanto as expectativas de inflação da economia brasileira desabonam a tese da necessidade de uma reversão na política monetária.


Na economia real real, o balanço entre oferta e demanda agregada parece equilibrado. Primeiro, o lado da oferta. Claros sinais de expansão da capacidade produtiva, aliados a um ritmo saudável de expansão da atividade industrial, apontam para a disponibilidade de o setor atender ao crescimento da demanda por meio de expansão da oferta, e não por elevações de preços, como teme o BCB.


Some-se a isto as reiteradas declarações do setor produtivo de que, em função dos investimentos - em curso ou já realizados -, os empresários estão aptos a e, principalmente, desejosos de ampliar a produção. Por exemplo, o presidente da Anfavea declarou que o setor automotivo tem planos de investimentos da ordem de R$ 5 bilhões em 2008, ampliando-se a capacidade instalada em 280 mil veículos/ano. A cadeia como um todo pretende realizar investimentos de R$ 20 bilhões, até 2010.


Uma contração monetária seria um tremendo banho de água fria no espírito empresarial, o que pode reduzir drasticamente a sustentabilidade do atual ciclo de crescimento. Ainda que não interrompa os investimentos já em curso, uma elevação da Selic certamente inibiria novos investimentos. Aí, sim, a expansão da demanda poderia comprometer a estabilidade dos preços.


Em um momento como o atual, de possível retomada do crescimento sustentável, o efeito dinâmico de uma contração monetária sobre a capacidade produtiva não pode ser desprezado. A demanda está crescendo e, portanto, os investimentos devem ser estimulados, e não o contrário. Temerário seria afunilar o fluxo futuro de produção por meio de uma contração monetária. Há forte correlação positiva entre as variações da taxa de utilização da capacidade produtiva e da formação bruta de capital fixo. Ou seja, ao se conter os aumentos do nível de utilização da capacidade produtiva desestimulam-se os investimentos - que permitiriam corrigir eventuais restrições de oferta, que preocupam o BCB.


Apesar dos elevados níveis de utilização de capacidade, desde meados de 2007 o custo unitário do trabalho vem caindo - acumulou queda de mais de 1% nos 12 meses encerrados em janeiro. No mesmo período, a produtividade da indústria cresceu 4,5%. Essa melhora expressiva na produtividade viabiliza mais crescimento com menos inflação.



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Perseguindo uma inflação abaixo do centro da meta, o BC estaria violando um preceito básico do regime de metas de inflação
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O forte aumento da produção e das importações de bens de capital, somado aos ganhos de produtividade da indústria, indica um incremento do PIB potencial. Esse quadro, por si só, já seria suficiente para questionar a necessidade de uma alta dos juros.


Do lado da demanda também não se enxergam razões para uma atuação preventiva do BCB. A participação dos salários no PIB permanece estável. Isto é, não está em curso um processo de ampliação da fatia do PIB nas mãos dos trabalhadores - que poderia sinalizar uma maior pressão de demanda.


Com relação às expectativas de inflação, elas continuam ancoradas em torno de 4,5%, ponto central da meta. No boletim Focus de 28/03, as instituições financeiras prevêem um IPCA abaixo do centro da meta, neste ano e no próximo (respectivamente, 4,47% e 4,31%). A expectativa das instituições top 5 é de 4,51%, para o acumulado em 2008, e de 4,45% para 2009. Além de ancoradas no centro da meta, as expectativas têm se mantido relativamente estáveis: por exemplo, há quatro semanas as expectativas para 2008 e 2009 eram de, respectivamente, 4,41 e 4,30%. Uma contração monetária nesta situação somente se justificaria caso a banda de flutuação fosse assimétrica para baixo. Mas ela não é.


O Conselho Monetário Nacional (CMN) delega ao BC o cumprimento não de uma meta pontual, mas definida como um intervalo de variação para o IPCA de mais ou menos dois pontos percentuais. Perseguindo uma inflação abaixo do centro da meta, o BC estaria violando um preceito básico do regime de metas de inflação: a autoridade monetária tem independência de instrumentos, mas não de objetivos. Isto é, o BC tem liberdade para definir o patamar da Selic que considera compatível com uma meta, que não cabe só a ele definir, e sim a um colegiado formado por seu presidente e os ministros da Fazenda e do Planejamento, o CMN.


Trata-se de perigosa distorção do mandato do BC. Isso compromete ainda mais a já precária coordenação da política econômica, cindida entre o conservadorismo agressivo do BCB e os tímidos anseios desenvolvimentistas da Fazenda.


Além disso, cabe destacar que os cortes de juros (de 3 pontos percentuais) já feitos pelo Fed ampliam o potencial de valorização do real frente ao dólar, resultante do aumento do spread soberano. Se a Selic subir ainda mais, esse diferencial se ampliará, anulando o efeito do IOF sobre as entradas de capitais de curto prazo. Aí, sim, o dólar vai derreter, sepultando de vez a ilusão da eliminação da vulnerabilidade externa da economia brasileira.


O quadro acima traçado, somado às incertezas quanto ao desfecho da crise das hipotecas de alto risco nos EUA, impõe a necessidade de cautela na condução da política monetária. Neste momento, o mais prudente seria manter a Selic. Sua elevação implica a imposição de um desnecessário viés deflacionário à economia brasileira. Não parece apropriado mirar o limite inferior da meta de inflação.

Autores:

André de Melo Modenesi é pesquisador da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea e doutorando do IE/UFRJ.


Miguel Bruno é coordenador do Grupo de Análise e Previsão da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.


Salvador Werneck Vianna é pesquisador da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.


Realmente espero que a nossa diretoria de política monetária reflita seriamente sobre este impecável texto auferindo iluminação suficiente para a condução da economia nesses tempos tormentosos.
Acrescentaria tão somente que, diante do atual cenário global, a economia mundial está entre "o gelo e o fogo" como disse o diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Dominique Strauss-Kahn, "a inflação pode ter voltado" ao mundo por causa do aumento dos preços dos alimentos e da energia, mesmo com a desaceleração generalizada.
E, de acordo com o BCE, que por sinal manteve sua taxa em 4%, a inflação da zona do euro subiu em março até 3,5%, o valor recorde desde a criação da União Econômica e Monetária em 1999.

Logo, a inflação não é brasileira, é mundial.
É no cambio que temos que nos concentrar.

Ronaldo disse...

Então o BC resolveu salvar o mundo do monstro da inflação que ameaça comer o planeta pelas bordas de norte a sul e de leste a oeste, deixando-os perplexos, mundo e monstro.
Mas, justiça seja feita, não é a primeira vez que as autoridades brasileiras deixam a galera boquiaberta. A única diferença entre os eventos está no grau de ingenuidade. Seremos os maiores exportadores de energia e alimentos, e a inundação desses bens em uníssono com a política monetária do BC, farão os preços baixarem o que nos renderá inúmeros aplausos. Teremos todo o mundo subjugado aos nossos pés juntamente com o monstro.
Oh delírio!
Talvez o BC em sua política de amarrar cachorro com lingüiça tenha descoberto um novo tipo desse entubado comestível desagradável ao gosto dos caninos, pelo menos daqueles investidores mais ferozes. Ou, quem sabe, se descobriram mártires e tentam deter um tanque com as mãos espalmadas e corpo em posição de baculejo.
Sim, a decisão unânime deste heróico colegiado é de se destacar.

Renato Couto disse...

Extremamente lúcido e bem informado. Estava numa dessas "Trip" pela internet, lendo algum artigo sobre a Bolsa, quando deparei com seu blog ( chamou a atenção o nome exdrúxulo, para o tema...), após ler esta postagem, foi colocado entre os "favoritos".

Ronaldo disse...

Tanta demora e estudos para se constatar o que há muito já se sabia.

Da Folha on line em 09/06/08

O consumidor pouco olha a taxa de juros na hora de tomar um empréstimo no banco. Estudo do Ibmec-SP sobre o uso racional do crédito mostra que a variável que mais estimulou o aumento dos financiamentos nos últimos anos foi a extensão dos prazos de financiamento.

Não porque o consumidor procura alongar, a perder de vista, o pagamento de suas dívidas, mas pelo fato de que os prazos maiores permitiram a redução do valor das prestações, colocando as parcelas no orçamento restrito de uma parte da população que não tinha acesso ao crédito. Ou seja, o prazo maior fez pela expansão do crédito o que, de outra forma, só um aumento substancial na renda poderia ter feito.

Autor do estudo, o economista Domingos Pandeló afirma que a decisão de fazer um empréstimo no banco com juros proibitivos tem mais a ver com necessidades pontuais de caixa e com a comodidade do que com taxas e prazos. Quanto mais fácil a adesão ao financiamento -como o cheque especial, o cartão de crédito e os limites pré-aprovados-, mais irracional o consumidor se mostra do ponto de vista econômico, que avalia a relação custo/ benefício, afirma Pandeló.

"O banco conhece o comportamento do cliente e tem o crédito pré-aprovado para isso. As operações de longo prazo, que têm maior valor, costumam ser mais racionais porque não envolvem uma decisão impulsiva. Ninguém compra um imóvel por impulso. Tem de negociar o financiamento. O carro talvez não se enquadre nisso, apesar do valor maior. É bem comprado para mostrar a ascensão social --não é racional", disse.

Para quem pensa que as empresas têm um comportamento mais racional na tomada de crédito, o estudo revela que, em caso de necessidade, tanto pessoas jurídicas quanto consumidores pessoa física aceitam qualquer taxa para honrar seus compromissos. Para as empresas, a irracionalidade no crédito acontece nas operações de curto prazo, como o desconto de duplicatas, o capital de giro e a conta garantida.

Termômetro

Para chegar a essas conclusões, Pandeló pesquisou as séries temporais de volume de crédito do Banco Central desde novembro de 1996. A partir daí, chegou a uma relação de elasticidade para ver o quanto uma variável, como o aumento de juros ou a extensão do prazo, impacta a demanda por crédito.

No caso dos juros, Pandeló observou que o volume de crédito varia segundo uma correlação que vai de -1 a 1. Quando mais próximo de -1, maior o grau de racionalidade, pois significaria que o crédito encolhe proporcionalmente à medida que os juros sobem. Já a correlação 1 indica o oposto, um comportamento irracional em que o volume de empréstimos cresce com a alta do juro.

Isso acontece, por exemplo, com o cheque especial, que tem elasticidade de 0,09. "É uma aberração. Significa que, se aumenta a taxa do cheque especial, a demanda cresce um pouquinho. O sujeito está tão endividado que, mesmo aumentando a taxa, precisa tomar mais porque não consegue cobrir aquela dívida", disse Pandeló.

No segmento de pessoa física, o comportamento mais racional foi observado no crédito pessoal, modalidade cuja demanda é mais afetada pelo juro maior. A modalidade, que inclui o crédito consignado, envolve a negociação direta do cliente com o gerente do banco.

De 1996 até janeiro de 2004, a elasticidade do crédito pessoal era de -0,52, uma das mais racionais vista no estudo. Com a entrada em vigor do consignado, em 2004, essa relação vai para -0,31, indicando uma racionalidade menor.

Juros x prazo

No caso do financiamento de veículos, até o início de 2004, a elasticidade do crédito estava em -0,68, seguindo um padrão de alta racionalidade. Depois de 2004, quando os prazos começaram a se dilatar, a correlação continuou negativa, mas em apenas 0,13. Ou seja, com prazos maiores, eventuais aumentos dos juros passaram a ser menos importantes na hora de financiar um carro.

"A explicação para a queda da racionalidade no financiamento de veículos foi o aumento de prazo. Você começou a incorporar nesse universo pessoas que ficavam fora desse mercado. Hoje, você compra carro novo com prestação entre R$ 200 e R$ 300. São pessoas que não vão tanto pela taxa, e, sim, pelo valor da prestação", disse.

O mesmo exercício de elasticidade cabe em razão do aumento de prazo de financiamento. No caso, a correlação também varia de -1 a 1, porém em sinal invertido: 1 indica o grau maior de racionalidade, com a extensão de prazo levando ao aumento do crédito; e -1, a situação inversa.

Para o financiamento de veículos, o aumento de prazo implica numa elasticidade de 0,28 do crédito, daí a explosão no financiamento de veículos, cuja carteira saltou de R$ 31,7 bilhões, no fim de 2003, para R$ 110,7 bilhões no fim do ano passado --aumento de 250%.

Dos segmentos de financiamento, o cartão de crédito é o mais sensível ao aumento dos prazos, com variação de 0,52. "O parcelamento das compras em até 12 vezes sem juros é o que mais estimula o consumidor a comprar. As prestações ficam baixas, quase insignificantes. Só que uma [parcela] se soma a outra. E, quanto maior o prazo, maior o risco de alguma coisa dar errada", disse.