Há pouco tempo atrás, foi realizado um ciclo de audiências, cuja finalidade central era uniformizar os conhecimentos dos membros de GTI (Grupo de Trabalho Interministerial) sobre o biodiesel .
Nesse sentido, buscou-se convidar entidades e órgãos públicos e privados, bem como parlamentares ligados à área, de modo que se pudesse formar, segundo eles, ao final do ciclo de audiências, um quadro referencial sobre os pontos considerados mais relevantes sobre a matéria.
Longe de uniformizar qualquer coisa, o documento produzido mostrou que não há matéria mais misteriosa, e o resultado foi um condensado de opiniões e profecias sem amparo científico, mostrando que o governo continua perdido em meio a luta dos interessados pelos seus próprios interesses.
Agencia Nacional do Petróleo – ANP
Enfatizou que a Agência, cuja atribuição é implementar a política nacional de petróleo e gás, tem por foco a proteção ao consumidor. Isto deve significar que ao focar no consumidor, alguém mais deve tomar conta de sua atribuição primária. Já que a ANP irá se fazer de PROCON, pode ser que o PROCON então deverá ser o encarregado da implementação da política.
Associação Brasileira das Indústrias de Óleo vegetais – Abiove
Disse que diante do progressivo esgotamento dos combustíveis de origem fóssil, da necessidade de buscar a auto-suficiência, de reduzir a poluição nas grandes cidades e uma vez definidos os aspectos essenciais do modelo brasileiro de produção de biodiesel, a rota tecnológica etílica ou metilica ( usadas na produção de álcool ou cachaça), a relação entre escala e regionalização e mais outras coisas incompreensíveis profetizou que o Brasil irá atender a 60% da demanda mundial de diesel!!!
Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores – ANFAVEA
Enfatizando que seu posicionamento estava em consonância com o da AEA – Associação Brasileira de Engenharia Automotiva e com o da SINDIPEÇAS, mostrou-se a favor da redução de preço do combustível, o que seria muito natural se não fosse o diesel já carregar um enorme subsídio.
Mostrou-se excitada embora dissesse preocupada com a durabilidade e integridade da frota existente. Segundo disse o expositor: “deve-se aproveitar a experiência já existente em outros países e ainda realizar testes exaustivos para aferir a viabilidade do biodiesel, ação em que a participação dos fabricantes dos veículos é indispensável por deterem conhecimento completo de seus produtos e componentes.”
Vê-se que ao mesmo tempo em que disseram saber tudo, disseram não saber nada e que muito experimento necessita ser efetuado, com vistas à verba a ser liberada pelo programa.
Central Unica dos Trabalhadores – CUT
Discorreu, inicialmente, sobre o potencial de geração de emprego e renda, no semi-árido, a partir de um programa de biodiesel. Em seguida afirmou que essa alternativa energética não pode deixar de contemplar, como um dos seus pilares básicos, a inclusão social de amplos segmentos empobrecidos do meio rural de forma descentralizada, com o envolvimento de todos os atores públicos e privados e mediante a implantação de complexos cooperativos agroindustriais na perspectiva de um modelo de economia solidária.
Belas palavras para não dizer nada, ou mais um sonho. Os tais segmentos empobrecidos cultivam, em sua franca maioria, alimentos. E alimentos para o consumo próprio. O Banco Central os têm mapeados, visto que muitas das cooperativas de produção estão ligadas á uma cooperativa de crédito.
Confederação Nacional da Agricultura – CNA
Também reivindica desoneração tributária, decisão política, garantia do desempenho dos motores, padronização e garantia de qualidade, incentivo à pesquisa e desenvolvimento. Passando a palavra ao coordenador do Projeto Biodiesel da USP, este enumerou vantagens do biodiesel em termos de desenvolvimento agrícola e etc...Registrou a necessidade de aditivos para o armazenamento, devido o produto ser biodegradável. Disse ainda que a soja representa 96% da cultura das plantas oleaginosas. Em sua avaliação, a adição de até 30% ao diesel seria viável, mas seria aconselhável o início com percentuais entre 2 a 5% .
Coordenação dos programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – COPPE/UFRJ
Analisando a questão energética no setor de transportes, a representante da COPPE/UFRJ demonstrou que o segmento rodoviário nacional respondeu, em 2001, por 90,2% do consumo de todos os combustíveis e 56,4 % do óleo diesel. Acrescentando-se o fato de no Brasil se extrair, em média, 33% de óleo diesel a partir do petróleo quando a média mundial é 25%.
Daí por diante a representante se envereda por outras alternativas como óleo para frituras, em que um furgão( que poderia ser até uma pastelaria ambulante) já utiliza desde 2001 e ainda a possibilidade de se extrair óleo dos esgotos e de refugo de nabo forrageiro.
Deputada Federal Mariângela Duarte
Disse acreditar no programa biodiesel como uma forma de combate a pobreza na zona rural sem apresentar dados para a sustentação da tese.
Deputado Federal Rubens Otoni
Este sente-se o pai do GTI e cita o proalcool como exemplo a ser seguido pelo biodiesel.
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa
Por meio de apresentação conjunta com representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário, estes senhores acreditam na inserção da agricultura familiar de subsistência no programa biodiesel, ou seja, as famílias assentadas passariam a cultivar mamona ao invés de feijão e mandioca.
Enguia Power
Segundo seu representante, a empresa tem um projeto privado para assentar até 30 mil famílias no semi-árido, voltado à produção de biodiesel a partir da mamona.
Difícil saber o que pensa este senhor. Talvez ele especule um possível retorno ao tempo da escravatura para levar adiante seu projeto onírico.
Federação dos Municípios do Estado do Maranhão – FAMEM
Ressaltando que 37% do território maranhense é coberto por babuçais nativos, ele já levantou a bandeira do babaçu com a inclusão do trabalho feminino na colheita. Não obstante, identificou a baixa produtividade dos babuçais.
Petróleo Brasileiro S. A. – Petrobrás
Segundo o representante da estatal, a dependência nacional de petróleo e diesel importados é da ordem de 32% do consumo, significando um dispêndio anual de divisas da ordem de US$ 3,2 bilhões (este valor deve ter sido superado e muito em função das recentes altas do preço do petróleo) que poderia ser reduzido ou mesmo evitado com a produção do biodiesel, além da possibilidade de exportação de excedentes.
Tanto otimismo assim chega a comover. O que se esperaria da Petrobrás? Um mapeamento geral do nosso sistema agrícola dizendo as áreas promissoras, os rendimentos esperados e uma projeção do consumo de diesel?
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado da Bahia – SECTI
Apontou diversos gargalos tecnológicos e econômicos que, a seu ver, precisam ser superados.Também enumerou as implicâncias benéficas com relação a emprego, renda e recuperação de áreas degradadas, ou seja, nada acrescentou.
Secretaria de Petróleo e Gás do Ministério de Minas e Energia.
Ressaltou que, considerando-se os preços relativos atuais do diesel e do biodiesel, esse dificilmente seria viável, cabendo ainda considerar os impactos derivados da abertura de novas fronteiras agrícolas. Disse ainda ser o MME responsável em manter a oferta do produto com qualidade e de sustentar o abastecimento de longo prazo.
Em suma, ainda não tem a matéria sob domínio, mas pelo menos foi honesta em dizer, ou em não dizer bobagens.
Sindicato da Industria do Açúcar e do Álcool – Sindaçucar
Disse ser o segmento sucroalcooleiro um cluster responsável por mais de um milhão de empregos.
Não disse o que tal segmento teria a ver com o biodiesel, nem podemos imaginar tampouco.
Sistema Volta ao Campo de Assistência Técnica Multidisciplinar e Integral (SVC)
Trata-se de um criativo esquema custeado pelas prefeituras para assistência técnica aos agricultores. Acredito tratar-se de mais uma ONG que se interpõe entre o poder público e os beneficiários com o intuito de prestar algum tipo de serviço. Pela sua exposição, nada tem a ver com o programa biodiesel especificamente, mas demonstra interesse no bolo a ser repartido.
Soyminas Biodiesel – Grupo Biobras
Com a atuação na produção de biodiesel há dois anos, o grupo possui cinco plantas industriais instaladas nos Estados de MG, SP, MT e GO, mostrou-se contrário a repetição , no caso do biodiesel, da experiência do Proalcool. Afirmou que o biodiesel produzido na Soyminas tem um custo de produção de R$ 0,30 por litro. Contradisse outros expositores ao informar que não existem problemas de estocagem do biodiesel.
Como não apresentou nada que fundamentasse suas afirmações, e o único a não reclamar do preço baixo do diesel, creio que deve ter entrado em palestra errada...
Tecnologias Bioenergéticas Ltda – Tecbio
Este insiste em dizer que o Brasil teria condições de suprir cerca de 60% da demanda mundial de diesel, e ainda a solução para a miséria nordestina.
União da Agroindústria Canavieira de São Paulo - UNICA
Disse que o desenvolvimento da tecnologia para a produção do álcool combustível propiciou a redução de US$ 700/m3 na década de 80 para US$ 200/m3 nos dias de hoje.
Este é um dado impressionante porque se corrigirmos a moeda americana de 1980 para cá, US$ 700/m3 representariam aproximadamente US$2100/m3 ou US$ 2,10/litro, um absurdo. Hoje, a R$ 0,40/litro ainda representa um custo um pouco maior do que declarado pela Soyminas (ver acima). No entanto, vale chamar a atenção sobre o acréscimo de 20% ao preço da gasolina, colocado para oferecer competitividade ao setor alcooleiro, a meu ver, sem necessidade nos dias de hoje dada a fantástica redução nos custos de produção.
Também interessante é o do segmento do álcool mostrar interesse em migrar para o biodiesel, “sem afetar a oferta do álcool, uma vez que a demanda anual não ultrapassará 200 milhões de litros, correspondente ao consumo semanal da frota movida a álcool.” Incompreensível.
Universidade de Brasília – UnB
A UnB desenvolve pesquisas e testes, visando obter o biodiesel em fábricas de pequena escala, pelo processo de craqueamento térmico. Por não necessitar de etanol ou metanol, a exemplo da transesterificação. Existe uma planta piloto, em funcionamento há seis meses, com capacidade de produção de até 200 litros/dia, cuja implantação custou R$ 6.500,00.
Lamentavelmente, não informa qual é o custo da produção, visto que qualquer processo térmico requer dispêndio de energia logo, dependendo da quantidade, todo o processo pode ser inviabilizado.
Universidade de São Paulo – USP
Afirmou que o atual custo de produção do biodiesel é elevado, sendo necessário subsidiá-lo para que se torne economicamente viável.. Em seguida, passou a expor os resultados, ainda incompletos, de estudos que buscam confrontar os impactos ambientais biodiesel versus diesel.
Diante das indagaçõesdo representante do MMA quanto à destinação a ser dada ao glicerol e farelo, subprodutos do biodiesel, e a concorrência entre a produção de oleaginosas para fins energéticos e alimentares, o expositor afirmou existir várias possibilidades de utilização da glicerina e concordou com o posicionamento de que a produção do biodiesel deve ser descentralizada, de acordo com as características regionais.
Conclusão
Nada sabemos sobre a matéria, apenas que onde está a carniça estão os urubus.
O programa parece tomar feição de uma extensão do Pronaf onde várias ONG’s se interpõe no caminho sobrando pouco para os agricultores, sem uma coordenação séria que vise os interesses do país.
Como informou a Petrobrás, importamos cerca de 32% de nossas necessidades de diesel. O preço do petróleo está em vias de bater o recorde de janeiro de 1980, registrando aumento de 7% somente na última semana e, no entanto, os preços do diesel continuam estáveis por mais de um ano em R$1,84 o litro. Mesmo levando-se em conta a desvalorização do dólar no mercado mundial, o preço está claramente defasado. Isto leva a crer que o país ainda não sente a alta do óleo no mercado internacional, provavelmente por conta de contratos antigos no mercado de futuros que devem ter sido fechados antes do mês de agosto.
O caso do diesel no Brasil virou uma bomba relógio.
Com todo um sistema de transporte estruturado na quase totalidade nesta matriz energética, e ainda um sistema quase que integralmente rodoviário que, em relação ao ferroviário, é dez vezes menos eficiente.
A situação a curto prazo é assustadora, a longo prazo caótica.
Com a produção de petróleo leve em declínio, o diesel mineral tende a escassez em primeiro lugar, dentre todos os combustíveis, inviabilizando por completo nosso sistema de transportes.
Nada sabemos sobre a matéria, apenas que onde está a carniça estão os urubus.
O programa parece tomar feição de uma extensão do Pronaf onde várias ONG’s se interpõe no caminho sobrando pouco para os agricultores, sem uma coordenação séria que vise os interesses do país.
Como informou a Petrobrás, importamos cerca de 32% de nossas necessidades de diesel. O preço do petróleo está em vias de bater o recorde de janeiro de 1980, registrando aumento de 7% somente na última semana e, no entanto, os preços do diesel continuam estáveis por mais de um ano em R$1,84 o litro. Mesmo levando-se em conta a desvalorização do dólar no mercado mundial, o preço está claramente defasado. Isto leva a crer que o país ainda não sente a alta do óleo no mercado internacional, provavelmente por conta de contratos antigos no mercado de futuros que devem ter sido fechados antes do mês de agosto.
O caso do diesel no Brasil virou uma bomba relógio.
Com todo um sistema de transporte estruturado na quase totalidade nesta matriz energética, e ainda um sistema quase que integralmente rodoviário que, em relação ao ferroviário, é dez vezes menos eficiente.
A situação a curto prazo é assustadora, a longo prazo caótica.
Com a produção de petróleo leve em declínio, o diesel mineral tende a escassez em primeiro lugar, dentre todos os combustíveis, inviabilizando por completo nosso sistema de transportes.
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